A clareira permanecia silenciosa, como se o mundo inteiro prendesse a respiração junto com Ethan. A esfera em sua mão pulsava com uma luz dourada intensa, cada batida parecendo sincronizada ao ritmo do seu coração. A árvore colossal diante dele permanecia imóvel, sua presença quase sagrada, aguardando.
Mas então, algo mudou.
A terra tremeu sob seus pés. Primeiro, de forma sutil. Depois, com mais força. O vento soprou entre as copas das árvores, carregando consigo uma presença antiga, densa, pesada. A luz da esfera oscilou. A própria clareira pareceu escurecer, como se sombras estivessem se arrastando pelas bordas do mundo.
De dentro da árvore, um brilho prateado começou a surgir, subindo lentamente pelo tronco até o topo. Quando atingiu o ponto mais alto, uma fenda se abriu no próprio ar, como se a realidade estivesse sendo cortada por uma lâmina invisível. Dela, surgiu uma figura que parecia não pertencer a este mundo.
Um homem — ou algo que lembrava um — surgiu envolto por um manto prateado com inscrições arcanas que pulsavam como runas vivas. Seu rosto estava parcialmente coberto por uma máscara de madeira entalhada, que lembrava os padrões dos antigos povos das montanhas. Seus olhos, no entanto, eram a parte mais marcante: completamente brancos, sem íris, brilhando com uma energia pura e contida.
— Você chegou longe demais, jovem portador. — A voz ecoou, reverberando entre as árvores, como se fosse múltipla — masculina, feminina, antiga e jovem ao mesmo tempo.
Ethan deu um passo à frente, ainda segurando a esfera. — Quem é você?
— Sou o Guardião do Limite. — A figura ergueu o braço e, com um movimento quase ritualístico, uma aura azul-prateada envolveu o espaço ao redor. — Minha existência precede sua espécie, sua história, até mesmo o que você chama de destino. Sou aquele que vigia a fronteira entre a escolha e a ruína.
O ar ficou mais frio.
— Você tocou a Luz de Possibilidades. Viu as ramificações da sua vida. Você agora é mais do que apenas Ethan. Você é uma encruzilhada viva. Uma faísca que pode incendiar mundos ou salvá-los da escuridão.
Ethan olhou para a esfera em sua mão. Ainda brilhava, mas agora parecia mais pesada. Como se soubesse que a decisão à frente exigiria mais do que coragem.
— Se estou aqui, é porque escolhi continuar. — sua voz vacilou, mas não fraquejou. — Então, por que me impedir?
O Guardião inclinou a cabeça, contemplando-o como se o estivesse examinando por completo.
— Porque há um custo. Sempre há. E o preço que essa árvore cobra, nem sempre é justo. A decisão que você está prestes a tomar não é só sua. Ela afetará milhares, talvez milhões.
— Eu sei disso. — Ethan respondeu, lembrando-se das visões — da irmã caindo no vazio, do mundo corrompido, da versão mais fria de si mesmo. — Mas sei também que fugir do risco não impede que o mal aconteça.
O Guardião se aproximou lentamente. Quando parou a poucos passos de Ethan, estendeu a mão direita. Nela, uma lâmina etérea surgiu, feita de luz sólida. Não era uma arma ameaçadora, mas solene. Ela parecia cantar uma canção silenciosa de lembranças e escolhas não feitas.
— Então prove-se. — disse o Guardião. — Aquele que deseja moldar o tecido da realidade precisa enfrentar sua própria sombra. Esta lâmina é feita daquilo que você poderia ter sido. Segure-a. E lute contra quem você seria se tivesse escolhido o caminho mais fácil.
A claridade da floresta se distorceu mais uma vez.
A frente de Ethan surgiu uma figura idêntica a ele.
Mas diferente.
A versão que Ethan vira em sua visão anterior — o homem de olhar frio, envolto por cicatrizes e ressentimento, com uma armadura negra forjada por decisões egoístas e um futuro devastado — surgiu diante dele, empunhando uma lâmina negra. Era Ethan... sem esperança. Ethan que havia desistido de salvar os outros para salvar a si mesmo. Ethan que sacrificara tudo para sobreviver.
O verdadeiro Ethan sentiu a garganta apertar. A presença da outra versão era sufocante, como se ela estivesse carregada por todos os erros que ele nunca quis cometer.
O Guardião deu um passo para trás.
— Derrote a sua sombra. Não em força... mas em verdade.
A batalha começou.
Ambos se moveram como reflexos, espelhos quebrados duelando sob a luz da esfera e o olhar atento da árvore. A cada golpe trocado, Ethan sentia mais do que dor física — sentia memórias distorcidas, possibilidades torturadas pelas escolhas erradas.
A sombra falava entre os golpes.
— Você falhou com ela, Ethan. Sempre falhou. Quis ser herói, mas nunca teve coragem de fazer o necessário. Eu fiz. E por isso, estou vivo.
Ethan defendeu o golpe, ofegante. — Não é só sobre sobreviver. É sobre não perder o que nos torna humanos.
Eles colidiram novamente. Faíscas douradas e negras iluminaram a clareira como um relâmpago invertido.
Com um giro de corpo, a sombra o desarmou. A lâmina de luz caiu ao chão.
Mas Ethan não recuou. Ele caminhou até sua sombra e, em vez de lutar, a abraçou.
— Você é parte de mim. A dor, o medo, o fracasso. Não vou negá-los. Mas não vou ser consumido por eles.
A sombra congelou. Seu corpo tremeu. As trevas que o envolviam começaram a se desfazer, como fumaça sob a luz do sol. A espada negra caiu. O olhar antes frio agora tremia com um traço de humanidade.
E então, com um último suspiro, a sombra desapareceu.
O Guardião observava em silêncio.
— Você venceu não ao destruí-lo, mas ao aceitá-lo. Essa é a força que molda o verdadeiro portador da decisão.
A esfera nas mãos de Ethan brilhou intensamente. A árvore se abriu como um portão vivo, revelando um caminho dourado entre as raízes, indo em direção a algo além da floresta. Algo antigo. Algo que aguardava há muito tempo.
— Agora vá, Ethan. O Coração do Vínculo está próximo. Mas lembre-se… o verdadeiro inimigo não está fora de você. Ele está no que resta depois da escolha.
Ethan respirou fundo, ainda sentindo o eco da sombra em seu peito, mas caminhou.
E o caminho diante dele se iluminou.