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Capítulo – O Erudito
O Erudito andava de costas, falando com as paredes, depois consigo mesmo, depois com eles. Sua lógica era um labirinto.
"O cristal se partiu, mas nem tudo está perdido. Ainda temos os ecos, os reflexos, os... restos do que foi verdade."
Ele cutucou uma pedra flutuante no ar.
"E as mentiras, claro. São sempre mais leves."
Tharion se levantava devagar, observando aquele homem com desconfiança.
O Erudito parou de repente e o encarou com um sorriso cheio de dentes:
"Você tem os olhos do pai... mas o sangue não é dele."
Então piscou com exagero:
"Ou será que é? A dúvida é a mãe da revelação."
Virou-se antes que Tharion pudesse dizer qualquer coisa.
Aelys, ainda esfregando o rosto com as mãos, olhou ao redor assustada.
"O que é este lugar, de verdade?"
"É a última memória de um mundo que quase se esqueceu de si mesmo."
O Erudito apontou para os pilares e estantes.
"Cada livro aqui é uma verdade esquecida, um segredo escondido, um fim que ainda não aconteceu."
Ele parou ao lado de Aelys, fitando-a com uma expressão curiosamente gentil.
"Você vai querer um livro. Vai encontrá-lo na prateleira 17, terceira fileira, atrás do compêndio de criaturas que não existem mais."
— "Como você sabe que vou querer esse livro?"
"Porque ele quer você também. E porque está na hora."
Sem mais explicações, saiu girando em círculos enquanto entoava algo em uma língua extinta.
Aelys, hesitante, caminhou até o local indicado. Lá encontrou um tomo antigo, coberto por couro de grifo dourado. O título sumia e reaparecia:
"Genealogia das Linhagens Nobres – Volume Perdido"
Ela passou os dedos pela capa. Uma sensação quente percorreu sua pele. Algo naquele livro parecia... vivo.
Enquanto isso, Tharion encarava o Erudito com o maxilar travado.
"Você sabe quem eu sou?"
O Erudito deu de ombros.
"Saber é relativo. Mas digamos que você não é quem pensa, nem quem temeu ser. E definitivamente, não é quem o mundo quer que seja."
Fez uma pausa teatral, com olhos semicerrados.
"Mas também pode ser tudo isso. Se sobreviver."
Orren, que escutava enquanto rabiscava seus glifos no ar, sussurrou:
"Esse homem é um lunático."
O Erudito, a metros de distância, respondeu sem virar:
"Sou um lunático com QI de mil, orelhas sensíveis e controle sobre a realidade local. Cuidado com o que pensa perto de mim."
Então parou no centro da biblioteca, ergueu uma mão.
"Esta biblioteca está adormecida desde o último eclipse de três luas. Hora de acordá-la."
Ele estalou os dedos.
As paredes tremeram levemente. Um vento cálido soprou dos tetos de cristal. As estantes se reconstruíram, os livros retornaram aos seus lugares como se fossem pássaros pousando em ninhos. Os pisos rachados se alinharam com luz. Tapetes de seda se estenderam. E no centro, uma mesa apareceu coberta por um banquete completo: frutas cristalizadas, pães dourados, carnes suculentas, bebidas em jarras com runas flutuando.
"Comam. Bebam. Sonhem. Aqui, o tempo não os persegue."
Sorriu.
"Pelo menos por enquanto."
Aelys apertava o livro contra o peito. Orren se aproximava da comida como um arqueólogo sagrado. Kátyra ainda olhava para a chave de cristal nas mãos de Tharion. E ele, por sua vez, olhava para o Erudito como quem vê um espelho partido.
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