Cherreads

Chapter 36 - Manhã Seguinte na Estrada.

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Manhã seguinte — Na estrada

O sol ainda se espreguiçava entre as copas das árvores quando partiram da estalagem. O ar estava fresco, e a luz dourada atravessava a névoa, dando à floresta um aspecto encantado.

Kátyra cavalgava ao lado de Tharion, e o menino, empoleirado na sela diante dela, balançava as perninhas com impaciência.

— Estou cansado — resmungou ele, com um suspiro dramático. — Minhas pernas estão entediadas.

— Entediadas? — Tharion lançou um olhar divertido. — Achei que pernas só andassem.

— As minhas pensam. E pensaram que querem voltar pro castelo. Lá tem doces. Doces de verdade! — o menino virou-se para Kátyra. — Mãe… eu quero aquele com calda brilhante! O que brilha igual armadura de cavaleiro!

Kátyra riu, apertando-o com carinho.

— Você quer dizer o doce de cristal de açúcar?

— Esse mesmo! E o de pétalas azuis! E o pão fofo com cobertura de mel de montanha! — Ele fez uma pausa, ofendido. — E por que aqui ninguém me chama de "príncipe"?

— Porque aqui todo mundo sabe que você é um menino resmungão, não um príncipe mimado — provocou Tharion.

O pequeno arregalou os olhos, fingindo escândalo.

— Eu sou os dois! E não gosto de andar no mato! Quero um tapete de nuvens e alguém que me carregue!

Kátyra cobriu a boca para conter a risada, enquanto Tharion fingia pensar alto:

— Tapete de nuvens… acho que só os grifos carregam isso. Podemos chamar um, mas ele pode te confundir com um ratinho e levar pro ninho.

— Não sou um rato! — o menino protestou com uma expressão tão indignada que os dois adultos não resistiram e riram alto.

Ele cruzou os bracinhos, emburrado, e murmurou:

— Vocês dois ficam rindo de mim… Mas eu sou importante. Quando eu crescer, vou ter uma coroa e mandar vocês dois irem dormir cedo.

Kátyra o beijou no alto da cabeça.

— Quando você crescer, espero que ainda goste de doces com calda brilhante. E que seu coração nunca perca essa coragem birrenta.

Tharion, por sua vez, cutucou o menino com um sorriso:

— E se você mandar a gente dormir cedo, nós vamos obedecer… talvez. Só se tiver pão fofo com mel.

O menino tentou esconder o sorriso, mas não conseguiu. E seguiram pela estrada entre gargalhadas, como uma família que, apesar de toda dor e guerra, começava — aos poucos — a se reconstruir.

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Horas depois — Na encruzilhada das Árvores Côncavas

Já passava do meio-dia quando o trio avistou uma clareira incomum: três árvores antigas, ocadas e retorcidas, formavam um arco natural sobre a estrada. Na base das árvores, um velho marco de pedra coberto por musgos exibia runas ancestrais quase apagadas pelo tempo.

Tharion puxou as rédeas.

— Eu conheço esse lugar… dizem que aqui as árvores sussurram nomes esquecidos.

Kátyra estreitou os olhos. — Magia antiga?

— Magia viva — respondeu ele, com um certo respeito. — Isso aqui é um Véu. Um ponto onde os mundos quase se tocam.

O menino olhava fixamente para o marco de pedra. Seus olhos brilhavam, e ele murmurou:

— Tem alguém sussurrando…

Tharion e Kátyra trocaram um olhar tenso.

— O que você está ouvindo, pequeno? — Kátyra perguntou, descendo do cavalo.

— Eles falam meu nome… mas não como vocês falam. Falam como se fosse… antigo. — Ele apontou para as runas. — Dizem que "ele ainda vive".

Tharion ajoelhou-se diante do marco e tocou as inscrições.

— Isso aqui é idioma dos Bardaxas. Metade perdido. Metade escondido.

Kátyra se aproximou, olhando com atenção. — O que diz?

Tharion leu em voz baixa:

— Quando a criança da linhagem partida cruzar o Véu, a sombra e a luz se inclinarão diante dele. Um só corpo. Duas heranças. E o mundo tremerá.

Silêncio.

O menino olhou para os dois e perguntou, com um tom curioso demais para sua idade:

— Por que eu tenho sonhos com fogo e água ao mesmo tempo?

Tharion se levantou lentamente, o rosto sério. Kátyra se aproximou do filho e o abraçou forte.

— Porque você é feito de duas forças muito antigas, meu amor. E os antigos… estão começando a notar.

Nesse momento, uma brisa estranha soprou pelas árvores, e o marco brilhou por um instante com luz azulada, antes de apagar.

Tharion olhou ao redor, com a mão no cabo da espada.

— É melhor seguirmos. Esse lugar já viu demais por hoje.

E assim partiram, com o menino calado, pensativo, como se uma voz distante ainda murmurasse em seus ouvidos. E, atrás deles, as árvores côncavas voltaram ao silêncio — mas não ao esquecimento.

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