Ainda no Capítulo – A Filha e o Fardo
Na torre mais alta do castelo do Norte, onde os ventos uivavam como sentinelas e as nuvens beijavam o parapeito, Kátyra se refugiou. Ali, entre colunas de obsidiana e tapeçarias antigas, ela podia ser apenas ela — sem títulos, sem véus, sem olhos a julgá-la.
Tharion veio ao seu encontro quando o luar já banhava as pedras. Não pediu permissão. Ele a conhecia o suficiente para saber que ela não queria ser deixada sozinha — mesmo quando dizia o contrário.
— Está fria aqui em cima — disse, parando atrás dela.
— Não sinto o frio — respondeu ela, sem se virar. — O fogo dos dragões me aquece por dentro, lembra?
— Você sempre usa isso como desculpa — retrucou ele, retirando o manto e envolvendo seus ombros. — Mas o fogo também queima.
Ela segurou o tecido com dedos trêmulos. Não era pelo frio. Era por ele. Por estarem ali, onde não deviam. Uma princesa e um mestiço. A herdeira da união e o símbolo da ruptura.
— Se eu cair — sussurrou —, prometeria me odiar?
Tharion deu um passo à frente, aproximando-se de sua pele como se tocasse a superfície de um espelho sagrado.
— Nunca conseguiria. Mesmo se o mundo ruísse por sua causa.
Ela o encarou, e por um instante, tudo pareceu calar. As guerras, os clãs, os juramentos.
— Então você é um tolo — disse ela, com voz falha. — E eu também. Porque eu... — Ela mordeu os lábios. — Eu não quero o trono. Só quero um instante onde o mundo não esteja sobre meus ombros.
Ele tocou seu rosto com delicadeza. E foi então que os lábios se encontraram. Um beijo sem promessa, sem aliança, sem esperança de permanência. Apenas dois seres quebrados encontrando consolo um no outro.
Mas lá embaixo, entre os corredores ocultos da Torre de Ébano, os Darxas já sabiam.
Nada escapa aos olhos daqueles que veem na escuridão.